Premissa
Existem duas formas
de estudar a recuperação empresarial: sob a ótica da administração de empresas, no âmbito da gestão estratégica e, sob o foco
do direito analisada no ramo do direito falimentar. Esta exposição ordenando a primeiramente a ciência da administração de
empresas e depois as ciências jurídicas não é aleatória, apresenta na verdade a origem do tema recuperação empresarial como
instituto jurídico sui generis.
É sui generis
porque é termo exógeno (termo jurídico sem origem em qualquer ramo do direito puro, mas que se transforma em tal tendo por
base outra ciência) e em função desta peculiaridade, demanda empenho dos seus operadores.
Origem
A nova Lei de Falência
e Recuperação Empresarial (Lei 11.101/95) é a concretização de um projeto de lei de 1993 focado à substituir o então vigente
Decreto Lei datado de 1945 e que portanto incompatível com o contexto empresarial atual que é amplamente difuso e dinâmico
graças, sobretudo, ao fenômeno sócio-econômico da globalização. Por outro lado, inexiste ma legislação brasileira qualquer
menção ao substantivo composto “recuperação empresarial”, fato que obrigou o legislador buscar inspiração no ordenamento
jurídico estrangeiro tais como o Bankrupt Code – Chapter 11 – Estados Unidos da América
Objeto
A Recuperação Empresarial
consolida o chamado “Principio da Finalidade Social da Empresa” que está expresso ano art. 983 do Código Civil
ou seja, a sociedade empresarial deve existir e ser protegida para proporcionar, além dos subsídios da sua própria sobrevivência,
riquezas sociais tais como geração de empregos diretos (contratação de empregados) e indiretos (contratação de prestadores
de serviços) além de recolher tributos necessários à manutenção do próprio Estado (na figura da União, Estados e Municípios)
que se revertem à sociedade no sentido mais amplo. Diante do exposto, torna-se óbvio que o objetivo da Recuperação Empresarial
é salvar uma empresa em crise dando-lhe uma “segunda chance” de sucesso nos negócios.
Condições
para Aplicação da Recuperação Empresarial
Há um elemento básico
para que possa discutir a recuperação empresarial: a crise econômica. Crise econômica referida pela legislação consiste em
uma situação aparente ou embutida, imediata ou retardada que compromete de forma séria a viabilidade de funcionamento do empreendimento
empresarial, seja tal quadro provocado por alterações do panorama por conta de decisões governamentais como por exemplo criação
de tributos incompatíveis com o negócio
desenvolvido, seja por conta de sinistro provado por terceiros como nas fraudes e outros ilícitos contra a pessoa jurídica
ou mesmo a inabilidade do administrador ou empresário que em determinado momento leva a cabo decisões equivocadas conduzindo
sua empresa a crise financeira.
Não basta qualquer
crise, qualquer baixa estatística ou mera redução de faturamento para que seja declarada a crise empresarial, ela deve ser
provada objetivamente ficando evidenciado que, ausente o socorro da Lei, inevitavelmente ocorrerá a morte da pessoa jurídica.
Protesto de títulos, cheques sem fundos, ações de execução civil ou fiscal também não são suficientes para constatar crise
relevante e inderrogável.
Mesmo assim ainda
não basta para conceder o palio jurisdicional da empresa com problemas, deve ser projetado o quadro dos efeitos negativos
da quebra da empresa (quantas pessoas ficarão sem emprego, quantas ficarão sem trabalho, quanto deixará de ser recolhido aos
cofres públicos oriundo de tributos, se ocorrerá monopólio no mercado vetado pela Legislação Anti-trustee, etc.). Se não estiver
apresentado de forma clara que um conjunto considerável (e não modesto) de entidades e pessoas habitantes em um espaço social
serão violentamente impactados com a crise ou a ausência da empresa, então esta não merecerá a segunda chance. Deve ficar
clara a insolvência dentre outras características do contexto empresarial.
Para poder gozar dos benefícios da
legislação concursária na recuperação empresarial, é necessário que a empresa exerça regularmente (ou seja, esteja com seus
registros formalizados) suas atividades há mais de 2 (dois) anos e não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas,
por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes, não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão
de recuperação judicial, não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano de
negócios de recuperação empresarial, não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada
por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Modalidades de Recuperação Empresarial
Para que se torne
“recuperanda” (que a empresa entre em processo seja recuperada) deverá optar entre duas modalidades previstas
em lei:
Judicial
– Onde há atuação ostensiva do Poder Judiciário (mais burocrática)
Extrajudicial
– Onde a iniciativa do particular torna a recuperação facilitada (menos burocrática)
Na modalidade judicial,
a iniciativa da recuperação empresarial pode ser do próprio Estado (operado pelo representante do Ministério Público), das
entidades sindicais, dos empregados, dos fornecedores diretamente interessados, dos administradores, gestores ou controladores
e finalmente por iniciativa dos sócios majoritários ou minoritários. Em uma única palavra: Credores. Ou seja, qualquer credor
(que por sua vez deve ser representado por advogado assessorado ou não por expert em gestão estratégica) tem o direito de
intervir no intuito de salva a empresa. Neste caso o juiz reconhece que a empresa está em crise financeira e nomeia um administrador
judicial que deve ser pessoa com notório conhecimento de administração estratégica de empresas além de possuir formação acadêmica
compatível (advogado, administrador, contador, engenheiro, etc.). Esse administrador “assume” a gestão da empresa
e prestará contas ao Juiz e a todos os interessados.
Na modalidade extrajudicial
a iniciativa é da empresa lato senso que, amigavelmente procura seus credores e com eles fecha um acordo sobre a forma de
quitação das obrigações. Esse acordo é meramente homologado pelo Poder Judiciário (juiz competente) que recebe a ciência do
feito e “obriga” as partes a cumprirem o acordo (que pode ser alterado por conveniência de ambos os contratantes).
Plano de Recuperação Empresarial
Em ambas as modalidades
o plano de negócios para a recuperação empresarial é um instrumento obrigatório e dever ser elaborado por quem der inicio
ao processo – podendo ser desenvolvido por profissionais ou empresas especializadas em recuperar empresas em crise (recovery company). Deverá ser apresentado ao Juiz, quando se tratar de recuperação
empresarial judicial, no prazo de 180 dias prorrogáveis, e conterá um histórico da empresa informando sua origem, além de
um “retrato” do instante imediato da empresa no sentido técnico, comercial e financeiro, uma projeção dos fatos
negativos oriunda da inércia na intervenção administrativa, elencar os procedimentos necessários para remediar a situação,
valorizar itens e cronografar a recuperação empresarial ilustrando-a em um gráfico de Gant.
Efeitos da Recuperação Empresarial
Quando a recuperação
empresarial judicial tem seu pedido de reconhecimento de crise deferido, insere-se em um estado de moratória temporário pois
considerar-se-á “boa pagadora” a partir da vigência do plano de recuperação empresarial.
Dentre os efeitos do andamento do
processo de recuperação empresarial cita-se que a recuperanda não sofrerá, pelo prazo inicial de 180 dias, os efeitos de eventuais
ações de execução ou falência em que seja o pólo passivo, isso porque ocorrerá a suspensão de todas as ações.
Formas de recuperar uma empresa
As formas de recuperar
uma empresa estão previstas na própria Lei de Falência e Recuperação Empresarial em seu artigo 50:
1.
concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
2.
cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral,
ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
3.
alteração do controle societário;
4.
substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
5.
concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto
em relação às matérias que o plano especificar;
6.
aumento de capital social;
7.
trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios
empregados;
8.
redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
9.
dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria
ou de terceiro;
10.
constituição de sociedade de credores;
11.
venda parcial dos bens;
12.
equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo
inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem
prejuízo do disposto em legislação específica;
13.
usufruto da empresa;
14.
administração compartilhada;
15.
emissão de valores mobiliários;
16.
constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os
ativos do devedor.
Passos da Recuperação Empresarial
São 7 os passos para
recuperar uma empresa em crise financeira:
- Reconhecer a crise financeira;
- Abrir negociação com os credores;
- Decidir sobre as formas de recuperar a empresa
- Estabelecer um cronograma executivo físico-financeiro
- Dar ciência pública do estado de recuperação empresarial
- Quitar as obrigações no prazo programado
- Encerrar o processo de recuperação dando também a devida publicidade
Crimes incidentais
A Recuperação Empresarial
não se presta a blindar empresas mau administradas, ela é ademais rigorosa no sentido de punir aqueles que tripudiam a finalidade
social que inspirou-a, assim encontram-se tipificados onze crimes com as correspondentes penas infracitadas:
Art. 168. Praticar, antes ou depois
da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento
de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para
outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Aumento da pena
§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:
I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou
balanço verdadeiros;
III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado;
IV – simula a composição do capital social;
V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.
Contabilidade paralela
§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores
paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.
Concurso de pessoas
§ 3o Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de
qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade.
Redução ou substituição da pena
§ 4o Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática
habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços
à comunidade ou a entidades públicas.
Violação de sigilo empresarial
Art. 169. Violar, explorar ou divulgar,
sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor
a estado de inviabilidade econômica ou financeira:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Divulgação de informações falsas
Art. 170. Divulgar ou propalar, por
qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Indução a erro
Art. 171. Sonegar ou omitir informações
ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim
de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Favorecimento de credores
Art. 172. Praticar, antes ou depois
da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato
de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput
deste artigo.
Desvio, ocultação ou apropriação de bens
Art. 173. Apropriar-se, desviar ou
ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta
pessoa:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens
Art. 174. Adquirir, receber, usar,
ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Habilitação ilegal de crédito
Art. 175. Apresentar, em falência,
recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar
a elas título falso ou simulado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Exercício ilegal de atividade
Art. 176. Exercer atividade para a
qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Violação de impedimento
Art. 177. Adquirir o juiz, o representante
do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça
ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação
a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Omissão dos documentos contábeis obrigatórios
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar
ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de
recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.